quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Que é o Brasil?

Que é o Brasil?  –  … do livro infantil Cazuza (1938)

“De pé, junto à mesa, olhos fixos no Floriano, o professor João Câncio prosseguiu:
— Pergunta você que é o Brasil?  É tudo que temos feito em prol do progresso, da moral, da cultura, da liberdade e da fraternidade.  O Brasil não é o solo, o mar, o céu que tanto cantamos.  É a história, de que não fazemos caso nenhum.
O Brasil é obra de seus construtores, ou melhor, daqueles que o tiraram do nada selvagem e o fizeram terra civilizada.
É o trabalho dos jesuítas, de Nóbrega e de Anchieta, em plena floresta, transformando antropófagos em seres humanos.
O Brasil é a coragem dos defensores de seu solo.  É Estácio de Sá, é Mem de Sá, é Araribóia, repelindo os franceses do Rio de Janeiro, é Jerônimo de Albuquerque expelindo os franceses do Maranhão.  São os patriotas de Pernambuco, arrasando o domínio holandês do Norte.  São os cariocas lutando com Duclerc e Duguay-Trouin.
O Brasil é a obra dos bandeirantes:  Antônio Raposo, Fernão Dias Pais, Borba Gato, Bartolomeu Bueno, desbravando sertões à procura de ouro e de pedras preciosas.
O Brasil é o esforço da sua gente para tirar da terra os bens que a terra dá a quem trabalha.  É a cana-de-açúcar que, já no século do descobrimento, era uma das maiores riquezas do país.  É o esplendor das minas de ouro do século XVIII, que deixaram o mundo embasbacado.
É o café que engrandeceu São Paulo, Rio de Janeiro, Minas, Espírito Santo e que atualmente é a nossa maior riqueza.  É o algodão, a riqueza do Nordeste; o cacau, a riqueza da Bahia, e a borracha, a riqueza da Amazônia.
O Brasil é a sua indústria pastoril.  É a atividade dos paulistas  e dos baianos, espalhando boiadas pelo território nacional desde os primeiros dias da nossa história.
O Brasil é o trabalho obscuro dos negros nos campos de criação e lavoura, nas minas, nos trapiches e nas fábricas.
Pátria brasileira, meu meninos, continuou ardentemente, é tudo que se fez para que tivéssemos liberdade.  É a Inconfidência Mineira, com Tiradentes morrendo na forca.  É o martírio de Domingos José Martins e do Padre Roma, na revolução de 1817.  É o trabalho de José Bonifácio e de Joaquim Ledo, na Independência.  É o sacrifício de Frei Caneca e do padre Mororó, na Confederação do Equador.  É o verbo de Patrocínio e Nabuco, na Abolição.  É Silva Jardim, Benjamim Constant e Deodoro, realizando a República.
Pátria brasileira é a obra dos patriotas da Regência.  É a energia do padre Feijó, sufocando a desordem; é a espada de Caxias, impedindo que o país se desunisse.
O Brasil é a glória de seus grandes filhos.  É o gênio de Bartolomeu de Gusmão produzindo a Passarola. 
Em vez de exaltarmos os céus azuis, as montanhas verdes, os rios imensos, exaltemos os homens que realizaram as obras em favor da nossa indústria e do nosso comércio.  Exaltemos Mauá e Mariano Procópio, que construíram as nossas primeiras estradas de ferro; Barbacena, que fez navegar, nos nossos rios, o primeiro barco a vapor.
O Brasil são os seus grandes vultos nas ciências, nas letras e nas artes.  É Teixeira de Freitas.  É Rui Barbosa.  É Varnhagem.  É a veia poética de Gonçalves Dias e de Castro Alves.  O pincel de Pedro Américo e de Vítor Meireles.  A inspiração musical de Carlos Gomes.
Num país, a beleza da paisagem, o fulgor do céu, a extensão dos rios, as próprias minas de ouro, são quase nada ao lado da inteligência, da energia, do trabalho, das virtudes morais de seus filhos.
E, com a voz inflamada pelo entusiasmo, concluiu.
— É essa energia, esse trabalho, essa inteligência, essas virtudes morais, que a nossa bandeira representa“.

sábado, 29 de abril de 2017

Cantadores de Viola

Os  cantadores  que  se  iam  medir  aquela  noite,  eram  o  José
Firmino  e  o   Pedro  Jeju,  os  mais  festejados  daquela  beirada  de  rio.
Ninguém queria  perder uma palavra da luta que eles iam travar em versos.
O  João  Raimundo  bateu  palmas  no  meio  da  latada  impondo silêncio:
— Minha gente, vamos ouvir estes dois "turunas" (1)
Zoou no ar um quente repinicado de primas e bordões de violas.
Os dois cantadores sentaram-se frente a frente.
Versos  de  cá,  versos  de  lá,   a  cruzarem-se.  Um  improvisava
uma quadra ou uma sextilha ou uma oitava e o outro imediatamente  
respondia com uma oitava ou uma quadra ou uma sextilha.

No  começo,  cada  um  deles  disse,  em  versos,  quem  era,   como nascera,  de  onde  tinha  vindo.  
Cinco  minutos  depois,  começaram  a gabar-se de feitos  maravilhosos.

O Pedro Jeju, dedilhando  assanhadamente as cordas da viola, soltou a primeira gabolice (2):
(1) Turuna — valente, que tem fama em alguma habilidade.
(2) Gabolice — ato de elogiar-se a si próprio.

— José  Firmino  acredite,  
Não  gosto de  me gabar,
Mas quando pego a  viola,
Quando começo a  cantar,
Saem da cova os defuntos,
Os peixes saem do mar,
Os anjos descem do céu,
E tudo vem me escutar.

O José Firmino quase não deixou que o  companheiro acabasse o último verso,  e cantou de viola estendida no peito:

— Eu não tenho inveja disso,  
Sou valente, valentão,
Canguçu (1) é meu  cavalo,

Cascavel meu cinturão,
Eu engulo  brasa viva,
Pego corisco com a mão,  
Um empurrão do meu dedo
Bota dez morros no chão.
(1) Canguçu  — espécie de onça brasileira. 


O Pedro Jeju respondeu:

— Você pode ser valente,
Habilidoso não é.
Eu calço chinelo em cobra,
Boto  guizo em jacaré,  
Asso manteiga no espeto,  
Faço o tempo andar à ré,
Carrego água em peneira,
Dou beijos em busca-pé.

O povo aplaudia com palmas e gritos.

José Firmino olhou o  cantador de alto a baixo e improvisou:

— Isso tudo não é nada,
Não  me pode amedrontar:
Paro  o vento  quando quero,
Já fiz o sol esfriar,  
Bebo chumbo derretido,
Sem o chumbo me queimar,
Seguro as onças no mato,
Para meu filho mamar.

O outro acelerou os dedos nas cordas da viola e respondeu:

— Se eu for contar minhas artes
Não  acabo nunca mais;
Para  apagar os incêndios
Uso breu e aguarrás,  
Eu ponho luneta em pulga,  
E gravata em Satanás,
Eu faço gelo com brasa,
Coisa que você não faz,
Faço o carro andar na frente,
Faço  o boi andar atrás.

E  ergueu-se.  José  Firmino  ergueu-se também.  
Eram  ambos
fortes  no  desafio.  
Não haveria  vencido  nem  vencedor.  
Não  valia a pena teimar.

                       Viriato Correa 

sexta-feira, 10 de março de 2017

O que dizer?

O que dizer de um mundo que inverte valores?

Onde as pessoas boas passaram a ser desprezadas em prol das "espertas"?

Onde óbvia é a avassaladora inversão de valores, que chamam de modernidade,  de normal, de atual, de necessária ou de qualquer outra coisa...

Declaro que isto sim é uma uma deturpação da ética e da moral, um desrespeito aos princípios básicos que regem o desenvolvimento do homem e para as relações humanas.