sábado, 16 de dezembro de 2006

UM GRITO



Nossos olhos já não vêem o céu.
A poluição não nos deixa vê-lo.

Nosso olfato não sente, senão,
o cheiro de óleo.
As flores não sobreviveram.

Nossa boca não degusta, senão,
pobre guarida.
Não satisfaz. Enche.

Nossos sonhos:
montanhas íngremes...
picos escarlates...
pontos inatingíveis.

Enquanto houver:
quem veja e se cale,
quem fale e se canse,
e, ao se cansar se esqueça.

Da criança com fome.
Do amor sem guarida.
Da criança sem teto.
Do amor com fronteira.
Do ventre estéril...

Não houve um grito de alerta!

Um grito, só.
Um grito, simples.

É triste precisar
haver um grito.

Um grito, não um sussurro.

Um grito com eco e tudo.

Um grito
das entranhas embriagadas de cachaça.

Único remédio do pobre... a cachaça.

Para esconder nesta máscara... a cachaça.

A dor de ver o filho,
sem pão e agasalho.

O teto caindo.

O fogão sem gás.

A mulher cuja beleza,
se a tinha, morreu nos partos.

Um grito de lamento:
quem tem nas mãos a decisão
só tem para dizer, "cada um vive como pode"
e diz na televisão. Ah! Meu Deus, essa não.

Um grito de desabafo,
no coro do estádio,
ao ver o juiz roubar,
no tempo, no pênalti,
na expulsão.

Um grito ansioso,
triste-alegre
alegre-triste.

Num tempo de gritar
por socorro!

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