“De pé, junto à mesa, olhos fixos no Floriano, o professor João Câncio prosseguiu:
— Pergunta você que é o Brasil? É tudo que temos feito em prol do progresso, da moral, da cultura, da liberdade e da fraternidade. O Brasil não é o solo, o mar, o céu que tanto cantamos. É a história, de que não fazemos caso nenhum.
O Brasil é obra de seus construtores, ou melhor, daqueles que o tiraram do nada selvagem e o fizeram terra civilizada.
É o trabalho dos jesuítas, de Nóbrega e de Anchieta, em plena floresta, transformando antropófagos em seres humanos.
O Brasil é a coragem dos defensores de seu solo. É Estácio de Sá, é Mem de Sá, é Araribóia, repelindo os franceses do Rio de Janeiro, é Jerônimo de Albuquerque expelindo os franceses do Maranhão. São os patriotas de Pernambuco, arrasando o domínio holandês do Norte. São os cariocas lutando com Duclerc e Duguay-Trouin.
O Brasil é a obra dos bandeirantes: Antônio Raposo, Fernão Dias Pais, Borba Gato, Bartolomeu Bueno, desbravando sertões à procura de ouro e de pedras preciosas.
O Brasil é o esforço da sua gente para tirar da terra os bens que a terra dá a quem trabalha. É a cana-de-açúcar que, já no século do descobrimento, era uma das maiores riquezas do país. É o esplendor das minas de ouro do século XVIII, que deixaram o mundo embasbacado.
É o café que engrandeceu São Paulo, Rio de Janeiro, Minas, Espírito Santo e que atualmente é a nossa maior riqueza. É o algodão, a riqueza do Nordeste; o cacau, a riqueza da Bahia, e a borracha, a riqueza da Amazônia.
O Brasil é a sua indústria pastoril. É a atividade dos paulistas e dos baianos, espalhando boiadas pelo território nacional desde os primeiros dias da nossa história.
O Brasil é o trabalho obscuro dos negros nos campos de criação e lavoura, nas minas, nos trapiches e nas fábricas.
Pátria brasileira, meu meninos, continuou ardentemente, é tudo que se fez para que tivéssemos liberdade. É a Inconfidência Mineira, com Tiradentes morrendo na forca. É o martírio de Domingos José Martins e do Padre Roma, na revolução de 1817. É o trabalho de José Bonifácio e de Joaquim Ledo, na Independência. É o sacrifício de Frei Caneca e do padre Mororó, na Confederação do Equador. É o verbo de Patrocínio e Nabuco, na Abolição. É Silva Jardim, Benjamim Constant e Deodoro, realizando a República.
Pátria brasileira é a obra dos patriotas da Regência. É a energia do padre Feijó, sufocando a desordem; é a espada de Caxias, impedindo que o país se desunisse.
O Brasil é a glória de seus grandes filhos. É o gênio de Bartolomeu de Gusmão produzindo a Passarola.
Em vez de exaltarmos os céus azuis, as montanhas verdes, os rios imensos, exaltemos os homens que realizaram as obras em favor da nossa indústria e do nosso comércio. Exaltemos Mauá e Mariano Procópio, que construíram as nossas primeiras estradas de ferro; Barbacena, que fez navegar, nos nossos rios, o primeiro barco a vapor.
O Brasil são os seus grandes vultos nas ciências, nas letras e nas artes. É Teixeira de Freitas. É Rui Barbosa. É Varnhagem. É a veia poética de Gonçalves Dias e de Castro Alves. O pincel de Pedro Américo e de Vítor Meireles. A inspiração musical de Carlos Gomes.
Num país, a beleza da paisagem, o fulgor do céu, a extensão dos rios, as próprias minas de ouro, são quase nada ao lado da inteligência, da energia, do trabalho, das virtudes morais de seus filhos.
E, com a voz inflamada pelo entusiasmo, concluiu.
— É essa energia, esse trabalho, essa inteligência, essas virtudes morais, que a nossa bandeira representa“.