Os cantadores que se iam medir aquela noite, eram o José
Firmino e o Pedro Jeju, os mais festejados daquela beirada de rio.
Ninguém queria perder uma palavra
da luta que eles iam travar em versos.
O João Raimundo bateu palmas no meio da latada impondo silêncio:
— Minha gente, vamos
ouvir estes dois "turunas" (1)
Zoou no ar um quente
repinicado de primas e bordões de violas.
Os dois cantadores
sentaram-se frente a frente.
Versos de cá, versos de lá, a cruzarem-se. Um improvisava
uma quadra ou uma
sextilha ou uma oitava e o outro imediatamente
respondia com uma
oitava ou uma quadra ou uma sextilha.
No começo, cada um deles disse, em versos, quem era, como nascera, de onde tinha vindo.
Cinco minutos depois, começaram a gabar-se de feitos maravilhosos.
O Pedro Jeju,
dedilhando assanhadamente as
cordas da viola, soltou a primeira gabolice (2):
(1) Turuna — valente, que tem fama em alguma habilidade.
(2) Gabolice — ato de elogiar-se a si próprio.
— José Firmino acredite,
Não gosto de me gabar,
Mas quando
pego a viola,
Quando
começo a cantar,
Saem da cova
os defuntos,
Os peixes
saem do mar,
Os anjos
descem do céu,
E tudo vem
me escutar.
O José Firmino quase não deixou
que o companheiro
acabasse o último verso, e
cantou de viola estendida no peito:
— Eu não
tenho inveja disso,
Sou valente,
valentão,
Canguçu (1) é meu cavalo,
Cascavel meu
cinturão,
Eu engulo brasa viva,
Pego corisco
com a mão,
Um empurrão
do meu dedo
Bota dez
morros no chão.
(1) Canguçu — espécie de onça brasileira.
O Pedro Jeju
respondeu:
— Você pode
ser valente,
Habilidoso
não é.
Eu calço chinelo em cobra,
Boto guizo em jacaré,
Asso
manteiga no espeto,
Faço o tempo andar à ré,
Carrego água em peneira,
Dou beijos
em busca-pé.
O povo
aplaudia com palmas e gritos.
José Firmino
olhou o cantador de alto a
baixo e improvisou:
— Isso tudo não é nada,
Não me pode amedrontar:
Paro o vento quando quero,
Já fiz o sol
esfriar,
Bebo chumbo
derretido,
Sem o chumbo
me queimar,
Seguro as
onças no mato,
Para meu
filho mamar.
O outro
acelerou os dedos nas cordas da viola e respondeu:
— Se eu for
contar minhas artes
Não acabo nunca mais;
Para apagar os incêndios
Uso breu e
aguarrás,
Eu ponho
luneta em pulga,
E gravata em
Satanás,
Eu faço gelo
com brasa,
Coisa que
você não faz,
Faço o carro
andar na frente,
Faço o boi andar atrás.
E ergueu-se. José Firmino ergueu-se também.
Eram ambos
fortes no desafio.
Não haveria vencido nem vencedor.
Não valia a pena teimar.
Viriato Correa